O retrato
de Mónica
ELENCO
personagem
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ator
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Mónica: anfitriã
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Alice
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Antunes: marido de Mónica (figurante)
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Jérôme
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Homem importante
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Gabriel
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Baltazar (convidado)
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Lara Imprizi
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Diniz (convidado)
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Vicente
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Rita (convidada)
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Lara
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Henrique (convidado)
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Raphaël
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Constância (convidada)
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Giovanna
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Simão (convidado)
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Antoine
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Luís Filipe (criado)
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Benjamin
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Isabel (criada)
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Léa
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Margarida (criada)
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Helena
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Manuel (criado)
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Alexandre
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ATO
I
Cena 1
Os
criados - Luís Filipe, Margarida, Isabel, Manuel - estão todos na cozinha e
falam de Mónica…
Luís
Filipe: Vou-me “ptit suicidar”!
Margarida:
Porquê?
Isabel : Então, já viste
a dona Mónica?! Está sempre a mentir e a armar-se em rainha!
Luís
Filipe: Pois, e nem se apercebeu que renunciou ao mais
importante que há na vida…
Manuel:
Sim,
também me quer parecer que a senhora não percebeu realmente o que é importante nesta
vida!
Isabel:
E afinal o que é que é importante nesta vida? Eu até acho que ela tem tudo o
que é importante: marido, dinheiro, montes de amigos, montes de roupas, festas
e mais festas, simpatia, beleza… que mais se pode querer?
Margarida:
Ai Isabel, tu tiras-nos do sério: a poesia, o amor e a santidade! Isso é que é
o mais importante. Não tens isso, não tens nada! Achas que vale a pena viver
sem isso?
Isabel:
Poesia, Amor e Santidade???? (repete
lentamente as três palavras com ar de quem não percebe)
Manuel:
Isabel, pensa bem no espetáculo que rodeia a dona Mónica? Não te cheira a
falso? Já reparaste que ninguém a
contraria? Todos os convidados estão sempre de acordo com ela? As festas são um
autêntico desfile de vaidades, é um tal exibir que nunca mais acaba.
Isabel:
Ora pois, ela só convida pessoas ricas e que gostam dela! Assim também eu tinha
montes de amigos! Quando não se diz o que se pensa, é fácil ter amigos! Olha,
Manuel, os amigos conto-os pelos dedos das mãos e sobram-me… A senhora é
inteligente…
Margarida:
Inteligente?
A inteligência da dona Mónica é feita da estupidez dos outros. Mas a mim não me
engana ela, posso não ter estudado, mas não sou parva… nem estúpida! O que não
falta é gente desta, muito importante, muito importante, muito inteligente, mas
que precisa cá das Margaridas, das Isabéis, dos Manuéis e dos Luíses Filipes
para sobreviver. Quando puder, piro-me deste país que vive de aparências!
Isabel : Cala-te! Não fales
tão alto! Imagina, se alguém te ouve! Ainda dão cabo de ti! Olha que a dona
Mónica é muito influente, ainda arranjas problemas. Todo o cuidado é pouco…
Margarida:
Verdade. Mas que queres, não suporto esta gente! Sempre a dar nas vistas…
Luís
Filipe: É verdade! Muito gosta ela de entrar nalgum sítio e
começar a falar alto para que todos saberem que chegou…
Manuel:
Pois, assim tem sempre a certeza de que cada uma das suas chegadas é um
sucesso…
Margarida:
Sempre que vai ao cabeleireiro, dá nas vistas…
Isabel : Sempre que vai ao à
ginástica, dá nas vistas…
Luís
Filipe: Sempre que se encontra com os mandarins ou os
banqueiros, todos têm que saber… (pequena
pausa para retomar insinuando relações extraconjugais) Não se sabe bem o
que fazem juntos….
Isabel:
Luís
Filipe, o que é que estás a insinuar?! Ela é casada!
Margarida
Sim, é casada com um pobre diabo que
conseguiu transformar num homem importantíssimo. Aquilo, eles nunca se hão de
divorciar!
Luís
Filipe: Como é que sabes? És adivinha?
Margarida:
Oh pá, és mesmo tapado, é graças a pessoas como tu que a Mónica reina. Bem
dizia eu que a inteligência dela é feita da estupidez dos outros… Olha, é gente
como tu que lhe prolonga o reinado. Não acredito, ainda não percebeste nada!
Luís
Filipe: Então faz um desenho, Margarida!
Margarida:
Um desenho? Queres que te faça um desenho? Vais de mal a pior!
Luís
Filipe: Ahhhhhhhhhhhh, agora o estúpido já não sou eu!!!
Margarida, “faz-me um desenho” costuma dizer-se quando queremos que alguém nos
explique algo que não compreendemos!!!! Percebeste agora? Explica-me lá porque
é que aqueles dois nunca se hão de divorciar?
Margarida:
Tu vês algum amor entre eles? Amor? Tu não vês, homem, que eles nunca gostaram
um do outro. Toda a gente sabe isso. Não é novidade para ninguém. Ela renunciou
ao Amor quando casou com o senhor Antunes! (cruzando
os braços, fazendo uma pequena pausa) Casar por amor não é rentável, ó Luís
Filipe!
Luís
Filipe: Fala por ti, mulher! Mas ainda não percebi por que
é que dizes que nunca se vão divorciar… achas que o Príncipe deste mundo não
deixaria, é? (tom irónico)
Isabel:
Isto ‘tá bonito, ‘tá! Agora chamam o Príncipe deste Mundo para a conversa…
deixem lá o velhinho em paz que ele não vos fez mal nenhum, até nos deu os três
efes…
Manuel:
Os três efes são muito discutíveis, menina Isabel. É melhor não te meteres
nisso…
Isabel:
Eu cá por mim gosto muito de ver Deus no centro da minha vida, gosto de ir a
Fátima a 13 de maio, gosto que o meu homem vá ao futebol todos os domingos que
assim posso limpar a minha casinha sem ele me estar a empatar a vida…
Margarida:
Ai Isabel, esquece lá Deus e o futebol. Sabes por que é que os senhores nunca
se divorciarão? Tenho de ser a luz nas trevas que é esta cozinha… (todos a olham com atenção para ouvir a
explicação) Vocês não veem que eles não são o homem e a mulher? Eles não
são o casamento!
Manuel:
São o quê então? Eles estão casados, Margarida! Não se vê? Até usam aliança! Tu
não ‘tás boa, a sério! Vamos ao médico? Tu és rebelde e desbocada, mas eu
aprecio-te, Margarida! Acompanho-te de boa vontade ao doutor! Temos de ser uns
pelos outros! Aqui estou, prontinho para te acompanhar!
Margarida
(prosseguindo como se Manuel não tivesse
falado): Vocês não veem que eles são mas é dois sócios a trabalhar para o
triunfo da mesma firma? (os três criados
abrem os olhos e põem uma cara de espanto de quem nada percebe) O contrato
que os une é IN-DI-SSO-LÚ-VEL, porque o divórcio arruinaria o estilo de vida que
têm. O mundo dos negócios é bem-pensante, ou vocês acham que essa gente
aceitaria perder o dinheiro e a posição social que conseguiu com o casamento? (olha para o céu e diz cantando) Santa
Ingenuidade, rogai por nós!
Manuel: Ah, agora já percebo porque é que a dona Mónica trabalhou no lugar do senhor Antunes. Afinal não era
para o deixar escrever poesia…
Isabel:
Poesia?
Mas o senhor Antunes escreve poesia? Desde quando? Mas o que é que têm todos,
hoje? Não se querem calar?! Não percebo nada do que dizem…
Manuel:
Ó Isabel, também nunca percebes nada… Toda a gente sabe que o senhor Antunes é
um poeta…
Isabel:
Um poeta, um poeta… pfff, aqueles versinhos sempre foram ridículos, a dona
Mónica punha cá uma cara quando ele lhos vinha recitar… CRIAR UMA POESIA COM DUAS QUADRAS INFANTIS DE
CONTEÚDO OCO
Manuel:
Não batas mais no ceguinho, Isabel! Toda a gente sabe que o senhor Antunes,
aquilo não há homem mais maçador do que ele. Ele é a personificação da poesia barroca,
(aparte) que me perdoem os
apreciadores de poesia barroca que estão nesta sala! (virando-se de novo para Isabel) e a dona Mónica é a representação
da anti-poesia!
Isabel:
Anti-poesia? Mas isso existe? Para de inventar, Manuel!
Manuel:
A dona Mónica sempre ficou mais feliz com as promoções que conseguia para o marido!!!
Por aí sempre se viu que também renunciou à poesia! Aquilo lá é mulher de
poesia? Só os sensíveis percebem a poesia e aquela mulher não é nada sensível.
Já se esqueceram da cena dos tricôs?
Luís
Filipe (irónico e
gesticulando de forma exagerada): Ai
os tricôs! Ai os tricôs! É verdade… tanta conversa, tanta caridade para nada!
Isabel:
Ui, dessa cena ainda me lembro! Tanto espalhafato que ela fez por ajudar as
crianças com fome. Que vergonha! Que vergonha! Quando acabava de tricotar os
casaquinhos de lã, já os miúdos tinham morrido de fome. E não foi só uma vez,
foram várias…
Luís
Filipe: E nem uma lágrima verteu ela. A miséria, a
humilhação e a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus maravilhosos vestidos.
Hipócrita! Dondoca desnaturada!
Margarida:
Tão
a ver o que eu dizia? Por aí também
vemos que renunciou à santidade. Aliás, à santidade ela renuncia todos os dias,
mas neste caso até se podia redimir, certo?
Manuel:
Agora sou eu que não percebo. Como assim? Então ela pode redimir-se da santidade?
Margarida:
Claro! Da poesia e do amor já não se pode redimir. Recusou uma vez na vida, tá
recusado. Recusou o amor porque casou com o Antunes e recusou a poesia porque
não a sabe ler. (pausa, com cara de
desprezo) Mas com a santidade as coisas mudam, todos os dias ela podia
tentar ser melhor pessoa e assim não renunciaria à santidade! Mas isso lá lhe
interessa? Pouco rende (esfrega o polegar
no indicador)… tá quieto. É muito mais rentável falar horas e horas com
gente importante do que ajudar criancinhas esfomeadas… (pausa, silêncio de todos, com cara incrédula de quem não acredita no
que acabou de ouvir)
Luís
Filipe (quebrando o
silêncio):
É
melhor irmos. Já estão à nossa espera. Despachem-se, se não quiserem perder o
salário. Voltemos ao espetáculo da nossa Mónica…
Saem
todos na ponta dos pés.
ATO II
Cena 1
Cocktail entre amigos ricos,
simpatizantes de Salazar e que têm as mesmas opiniões. Vários empregados vão
servindo os convidados. Estes últimos chamam todos os empregados pelo nome de
“João” ignorando o seu verdadeiro nome. Mónica entra com os convidados e chama
os empregados.
Mónica
(de pé junto ao piano, pedindo silêncio;
a seu lado o marido Antunes): Gostava de vos dar as boas-vindas. Peço-vos,
meus amigos, que me ouçam uns instantes, depois dos meus filhos vos darem as
boas noites (chama os dois filhos que se
vêm despedir dos convidados, um a um, com uma ligeira reverência).
Obrigada, desde já, por terem vindo. Começo por vos agradecer a simpatia e o
apoio que me têm dado. Todos sabem que tenho vivido tempos muito intensos e que
por detrás de tudo isto há um trabalho severo, sem tréguas, uma disciplina
rigorosa e constante. Trabalhei muito para vos receber esta noite e espero que
passem uns bons momentos aqui em casa... (Todos
a aplaudem). Como sabem o Antunes foi promovido e está agora à frente da
empresa de papel, líder no nosso mercado. É motivo de orgulho para mim e para
toda a nossa família. Para o país também. A nossa economia tão próspera, graças
aos que nos dirigem, aos nossos governantes, que nos honram hoje com a sua
presença aqui em casa (Salazar acena com
a cabeça em sinal de concordância) vai continuar o ritmo de progresso que
tem vivido nos últimos anos. Penso que este orgulho é extensivo aos nossos
amigos que hoje aqui reuni. Conhece-vos bem, estão certamente todos tão
contentes como nós e por isso organizei este jantar, para festejar convosco
mais este sucesso do Antunes (Olha e
sorri para Salazar que lhe devolve o sorriso). Estejam à vontade! Enquanto
o aperitivo vos é servido, vou brindar-vos com um interlúdio musical que
escolhi para vos amenizar o início da noite. Bem hajam! (dirigindo-se a um empregado) Acácio, pode começar a servir as
bebidas. (Vira-se para Henrique a sorrir
e depois senta-se ao piano e começa a tocar).
Acácio:
Sim, minha senhora. (dirige-se com uma
bandeja aos diferentes convidados)
(Os empregados começam a servir; os
convidados ficam três a três na sala – Henrique, Constância e Simão; Baltazar,
Diniz e Rita -, Salazar está junto de Mónica e do marido dela, o Antunes, que
não descola da mulher e a segue como uma sombra)
Henrique:
A Mónica é mesmo uma pessoa extraordinária! Este cocktail está muito agradável,
parabéns à anfitriã!
Constância:
Realmente, é que isto dá muito trabalho, não dá para improvisar, Está sempre
tudo tão impecável. Não sei como é que consegue ser tão boa mãe e ao mesmo
tempo oferecer estas festas para convivermos, festejarmos estes sucessos
profissionais do Antunes, que na verdade podemos dizer que também são os dela...
Simão
(concordando): Sim, ela ajuda tanto o
Antunes que, sem dúvida, o sucesso também é dela. E, na verdade, também ajuda o
Príncipe deste Mundo. Sim, porque se a economia avança e progride é graças aos
que trabalham e fazem avançar as empresas e quem faz avançar empresas faz
avançar o país, faz avançar este nosso Portugal. A Mónica e o Antunes são sem
dúvida preciosos para os nossos governantes! Proponho que façamos uma saudação
aos nossos anfitriões! (virando-se para
Salazar) Tchim! Tchim! (todos os
convidados levantam os copos, batem nos copos uns dos outros e bebem um pouco)
Mónica
(voz off, enquanto Mónica continua a
tocar piano): Já estava à espera deste tipo de conversas. É sempre bom
sentir que reconhecem o nosso valor.
Rita:
Sim, a Mónica é mesmo uma pessoa muito generosa, e fantástica. Olhem-me para
aquele estilo enquanto toca... Chiquíssimo.
Diniz:
Ouvi dizer que até a Liga Internacional de Ajuda aos Necessitados dirige...
Baltasar:
É verdade, Diniz, essa Liga faz um trabalho estupendo. A Mónica dirige uma
equipa de senhoras muito conceituadas, das mais ilustres famílias aqui da
terra. Tenho uma enorme admiração pelo que fazem.
Rita:
Não me surpreende nada. A Mónica é realmente incrível e muito prestável! Pensa
sempre nos outros! Primeiro nos outros e só depois nela! Tal como lembrava e
bem a Constância, ela faz o trabalho dela e também ajuda o marido nos negócios
todos dele! Ela é simplesmente incrível! Tão prestável! Sempre preocupada em
ajudar os outros! (pausa abanando a
cabeça em tom de aprovação) Coitado do Antunes, às vezes tenho pena dele (olhando para o Antunes que tem um ar meio
perdido), sem a mulher, não seria nada! Não há dúvida nenhuma de que atrás
de um grande homem, está uma grande mulher! (suspira)
Baltazar:
Oh, o Antunes é um sonhador é o que é. Um poeta que vive na sua torre de
marfim! A Mónica não faz mais do que respeitar uma alma poeta. É a sua vertente
altruísta. Nada que surpreenda quem a conhece bem. Aliás, por isso mesmo, ajuda
o Antunes nos negócios, faz-lhe esse favor. É uma querida!
Constância:
Mas voltando à Liga Internacional. Ainda não percebi bem o que fazem na Liga.
Bem gostava de ajudar, mas falta-me tempo. Reconheço que não consigo ser tão
organizada como a Mónica. Não chego para tudo…
Rita:
Ora, Constância, não é preciso assim tanto tempo para ajudar na Liga. É apenas
para ajudar, não é preciso muito tempo…
Constância:
A sério? Não é complicado? Eu pensava…
Rita:
Ora, ajudar é ajudar. Concretamente é preciso estar disponível para ajudar.
Claro que só aparecemos para ajudar, quando pudemos. Se tivermos algo mais
importante a fazer como uma aula de yoga ou uma ida ao cabeleireiro, pode
esperar o trabalho da Liga. Todas nós fazemos isso. Devia juntar-se a nós,
Constância. O que conta é fazer parte da Liga, fazer parte da equipa e depois
faz-se o que se puder fazer, se se puder fazer. (Constância acenando com a cabeça enquanto ouve)
(pausa nos diálogos em que todos se
voltam para o piano e para Mónica que toca concentrada e de sorriso nos lábios)
Diniz:
Não sei se sabiam, mas Mónica pratica muitos desportos...
Baltasar (dirigindo-se ao criado Manuel):
João! Traga-me uma bebida, por favor. (retomando
a conversa com o Diniz) Sim, faz ginástica todas as manhãs, joga golfe e
até, por incrível que pareça, faz yoga! (Todos
exclamam de admiração) Os jantares da Mónica são sempre dos melhores aqui
em Lisboa. São sublimes. Muito gostava eu de saber como é que ela faz para dar
tantos jantares e ir a tantos jantares, cuidar bem dos filhos que são miúdos
muito bem educados como se viu.
Salazar:
Sim e continua a ser a mulher mais jovem e mais bonita de Portugal. Não fuma,
não envelhece, gosta de toda a gente… Um exemplo a seguir! Um pilar na família!
Todos sabemos como a família é importante. Uma sociedade equilibrada é feita de
famílias equilibradas. O homem sustenta a casa e a mulher segue-o e está para o
servir incondicionalmente, como faz tão bem a Mónica! Sem dúvida, um exemplo a
seguir! O Antunes é um sortudo! (Antunes
acena com a cabeça, concordando com o que acaba de dizer Salazar; os convidados voltam aos seus lugares e
continuam a conversar uns com os outros)
Henrique:
É tão extraordinária...
Diniz:
Meu caro amigo permita-me que me junte a si. Ouvi-o há pouco falar sobre a
coleção de talheres do século XVII da Mónica. Também é colecionador?
Henrique:
Eu, colecionador? Não, de todo! A Mónica e o Antunes é que têm uma coleção
invejável. Linda, linda, linda! Quem me dera! Eu comecei uma coleção de moedas,
mas ainda não tem grande valor. Sabe como é, isto de moedas, temos de aguardar
que o tempo passe…
Diniz:
Ainda não o conhecia, é um novo amigo de Mónica?
Henrique:
O meu amigo engana-se, já nos conhecemos há alguns anos. Encontrámo-nos num
jantar em casa do senhor embaixador de Espanha. Até tivemos a honra de ter a
presença do General Franco, lembra-se?
Diniz
(algo embaraçado): Recordo esse
jantar, mas a sua cara nada me diz, queira desculpar esta minha falta de
memória... A idade não perdoa, o passar do tempo só é bom para as coleções
ganharem valor! Mas voltando a esse jantar com o general Franco, foi de facto
excecional. A Espanha como nós, graças a políticos competentes, consegue
oferecer aos seus cidadãos uma qualidade de vida ímpar.
Henrique:
Tem razão, caro Diniz, longe do capitalismo e da Coca-Cola é que estamos bem. Já
viu o que seria o nosso país se tivéssemos aderido ao Capitalismo?
Diniz:
Estaríamos acabados. Quem duvida?
(Mónica para de tocar, levanta-se.
Entretanto aproxima-se dela Rita)
Rita:
Mónica, o que é que fazes para continuares tão jovem?!
Mónica:
Tenho os melhores amigos possíveis (Mostra
Salazar com a mão e a seguir todos os que a rodeiam) para me manter em
forma... (Sorri)
Salazar:
Não exagere, Mónica, somos todos parte de um grande povo, duma nação que deu
mundos ao mundo! Aí reside a nossa excecionalidade!
Mónica:
Atrás de um grande povo, estão forçosamente grandes políticos...
Rita
(à parte): Isto está a ficar
constrangedor... É melhor irmos jantar.
Cai o pano.
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